Música Construção, de Chico Buarque

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A música Construção, de Chico Buarque, é um grande manifesto poético e político da música popular brasileira. O jogo de palavras e a temática proposta pela canção tornam-a um marco do cenário musical brasileiro da década de 1970. Chico Buarque, com então 27 anos de idade, atingiu a muitos públicos com a música, agradando a diferentes gostos durante um período de intensa censura e tensão política na ditadura militar. Com Chico Buarque, Construção atingiu o topo das paradas nas rádios de todo o país e atravessou gerações, sendo uma música de grande relevância e prestigiada até os dias de hoje!

Apesar da letra crítica de Construção, Chico Buarque conseguiu aprovar o uso da mesma sem problemas com o departamento de censura do governo da ditadura militar. O significado da música Construção reflete um país cuja desigualdade social, a alienação política da classe trabalhadora e o descaso com a morte do próximo são temas presentes em meio à interpretação da música no contexto da época.

construção

Análise da música Construção

A interpretação da música Construção passa por muitas etapas, da mesma forma que a narração do cotidiano do personagem fictício cantado na música também. A canção narra um simples dia de trabalho de um operário do ramo da construção civil, cuja morte inesperada, apesar de trágica, acaba por não interferir no dia a dia da cidade, o que fica explícito quando o cantor afirma em seguidas orações nos versos finais da música que o personagem morreu na contramão atrapalhando “o sábado”, “o tráfego” e o “público”. Esse acontecimento, além de ápice da história, é um desfecho sem muita pompa, sem muito alarde e sem causar comoção dentro do contexto da música, o que gera uma maior catarse do ouvinte com o personagem e com a canção, que assim se torna um protesto.

Todas as demais construções de orações seguem uma lógica de repetição com alteração apenas na última palavra de cada uma. Dessa forma, Chico Buarque consegue trazer ritmo à música, simbolizando a ideia de dia a dia, de trivialidade e de naturalidade que o acontecimento teve dentro do contexto de uma grande cidade. Assim, tem-se a ideia de que a música pode dizer respeito a qualquer cidade, a qualquer construção e a qualquer operário, da mesma forma a reação à morte poderia também ser de qualquer um. A ideia de passividade reflete não apenas a sociedade brasileira, podendo ser levada a outros lugares também, sendo então uma crítica social simples, porém muito ampla e profunda.

Apesar de toda a análise social que a letra da canção permite, o próprio autor, em diferentes momentos, deixou claro que o foco da música é a própria construção métrica organizada de maneira muito refinada e elaborada. O ritmo é construído não apenas através da musicalidade da melodia, mas a própria organização dos versos e das palavras alternadas provoca um compasso muito específico e digno de um grande valor. Além disso, o ritmo pode ser também percebido semanticamente através da sequência de fatos que culminam na tragédia que não é antecipada em momento algum da música. Essa quebra de expectativa é mais um dos fatores de genialidade da música, que pode ser considerada a máxima expressão artística de Chico.

O ano de lançamento da música Construção leva a muitos intérpretes a considerarem o teor de sua letra mais do que a sua própria organização métrica. Chico Buarque a compôs durante seu período de autoexílio na Itália, em 1969, onde permaneceu por cerca de um ano. Ao regressar, o autor conseguiu aprovar sem censura o álbum, apesar do teor de crítica social presente na canção homônima. Seu protesto simples e mais velado que o de muitos contemporâneos da época não exclui a genialidade de sua letra e pode ser ainda fator de máximo respeito, uma vez que Chico Buarque consegue unir muitos gostos e atingir a variados públicos com a canção.

O álbum da música Construção é homônimo e conta com mais nove faixas, sendo elas: Deus lhe pague, Cotidiano, Desalento, Cordão, Olha Maria (Amparo), Samba de Orly, Valsinha, Minha História e Acalanto. O álbum estreou junto com a música, em 1971, e foi muito bem recebido pelo público brasileiro e pela crítica em geral. De tão bem estruturada e pensada, a música foi considerada em uma enquete realizada em 2001 como a segunda melhor canção brasileira, estando atrás apenas de Águas de Março, de Tom Jobim.

Toda a composição da música Construção segue um raciocínio em jogo de palavras e em estruturação complexa de seus versos e estrofes. Apesar de toda essa audácia, a melodia é simples e composta por apenas dois acordes. Assim, o cantor utiliza-se de metáforas e jogo de palavras para retratar uma realidade que, por muitas vezes, passa despercebida em meio ao ritmo da cidade, da mesma forma com que a morte do personagem passa como um detalhe acidental de toda a cadência de acontecimentos narrada pelo cantor. A genialidade da música está justamente sem seu arranjo simples, em seu tema cotidiano simples e em sua estruturação em estrofes arrojada e capaz de ter ritmo por si só.

Período histórico da música Construção

Em relação ao contexto histórico, Construção foi escrita quando a Itália passava pelos Anos de Chumbo, anos estes com intensa atividade terrorista e grande movimentação política no país. Apesar da ascensão de movimentos neofascistas e da intensa onda de homicídios, Chico Buarque escolheu o país como lugar de exílio para si e sua família. No mesmo período, é importante ressaltar o Brasil estava sob o comando das forças armadas, período este conhecido como Ditadura Militar, que começou em 1964 e se estendeu até 1985.

A crítica da música Construção ocorreu em parte por conta da sua simplicidade em justamente criticar o período político brasileiro. Por não se aprofundar em tomar uma opinião mais dura quanto ao que se passava no período, alguns críticos a consideraram simples e até demagoga. Entretanto, a complexidade de sua estruturação em versos e o jogo de alternância de palavras dão à canção todo um diferencial que foi muito aclamado pela crítica. Justamente por isso, a música é, até hoje, reconhecida nacionalmente não apenas por sua concepção de um imaginário comumente brasileiro, mas em maior parte por sua configuração em caráter poético muito bem estruturado.

O formato da música Construção segue com um grande diferencial quanto à estrutura na qual foi escrita. A canção foi toda composta em versos longos de doze sílabas, chamados de dodecassílabos ou versos alexandrinos, e todos terminados em palavras proparoxítonas, que são aquelas cuja antepenúltima sílaba é tônica, possui um som mais forte que as demais, como em sábado, pássaro, tráfego, máquina e mágico. As rimas entre as palavras e a sonoridade das mesmas por conta de sua sílaba tônica são o grande diferencial da canção, o que a faz ser uma peça rara e de grande estima para a MPB.

Para gerar uma reflexão política de um cotidiano comum a muitos brasileiros da época, o cantor se utiliza de metáforas e de alternâncias entre palavras, repetindo orações e criando um cenário a ser visualizado e imaginado pelos ouvintes. A sequência de acontecimentos conta uma história de final trágico, que permite uma reflexão quanto ao cotidiano de tantos brasileiros que morrem muitas vezes sem serem notados. Ou, ainda, cuja morte é vista como um contratempo, um atraso em meio ao fluxo desenfreado de uma cidade em construção.

A banda MPB-4 participou, junto a Chico Buarque, de uma apresentação histórica com músicas de todo o disco Construção. A versão da canção que dá nome ao disco, tocada pela banda niteroiense em 1971, foi mais uma das mais marcantes da parceria que, em 1967, participou 3º Festival de Música Brasileira da TV Record com a música Roda Viva e conquistou o público geral. MPB-4 segue atuando até hoje com Dalmo Medeiros, Paulo Malaguti, Aquiles e Miltinho, e tem por ex-membros os cantores Ruy e Magro Waghabi.