O tema da seca no sertão nordestino é a principal fonte de inspiração do autor Cândido Portinari no quadro Os Retirantes, que retrata, através da figura dos imigrantes, um cenário político social do Brasil da primeira metade do século XX. O quadro, junto a outras importantes obras do autor, como Criança morta, faz parte do acervo de imagens do Brasil, e fonte cultural muito importante para o estudo das épocas e dos movimentos migratórios nacionais.
O quadro Os Retirantes de Candido Portinari é comumente encontrado em livros didáticos de história, graças a sua capacidade de retratar artisticamente uma realidade dura do Brasil. A questão migratória brasileira é ainda hoje tema de ampla discussão e conhecimento. Não apenas neste período, e tampouco apenas este segmento de pessoas retratadas no quadro compõe esta temática muito mais abrangente. Os retirantes, os bóias-frias, os imigrantes, são todas imagens retratadas por diferentes artistas brasileiros ao longo da história e que tratam das desigualdades e migrações no território nacional.
Através de Candido Portinari, Os Retirantes tornou-se uma figura conhecida em todas as regiões do país. O fenômeno migratório retratado pelo autor, em verdade, fez parte de sua infância no interior de São Paulo, por onde via passar por sua cidade dezenas de pessoas que fugiam péssimas condições de vida e da extrema pobreza do nordeste, muitas vezes simplesmente a pé, percorrendo milhares de quilômetros em busca de melhores oportunidades de vida. O título do quadro faz referência justamente ao tipo de migração de nordestinos que buscam fugir da seca e estiagem em busca de melhores oportunidade de vida na região Sul e Sudeste do país, que na época eram as únicas que ofereciam oportunidades de trabalho a nível de indústrias.
Na obra Os Retirantes, Candido Portinari expõe um estilo expressionista de pintura. Os traços fortes, as cores fechadas focadas em tons de preto, cinza e marrom, buscam retratar a dura realidade desta parte da população brasileira. A falta de cor no céu e em todo o entorno do horizonte carregam uma imagem de desolação, de falta de recursos e de extrema pobreza. O perfil dos personagens reforça ainda a mensagem que o pintor desejou passar, que causa assombro e pavor àqueles que imaginam que o quadro retrata uma realidade muito comum a tantos milhares de brasileiros.
A análise do quadro Os Retirantes, para ser compreendida, deve passar pelo processo de entendimento da onda migratória que caracteriza o próprio modo de vida dos retirantes brasileiros na década de 1940. A intepretação do quadro Os Retirantes é contextualizada pela localidade em que a cena supostamente se passa: o interior do estado de São Paulo, e a condição de vida dos personagens retratados.
É possível perceber que todos constituem uma família, composta por com três adultos e cinco crianças. O contraste da miséria pode ser percebido no físico extremamente magro e debilitado, na aparência cansada de cada um e no entorno da imagem, repleto de aves urubus que carregam consigo um presságio de morte e desespero. O chão árido e sujo, o horizonte distante e os pés descalços simbolizam ainda mais essa noção de desespero, escassez e extrema pobreza.
Todos estes temas dialogam com o período do quadro Os Retirantes. Apesar do desenvolvimento econômico brasileiro no período, a desigualdade cresceu nestes anos, e outros problemas naturais, como a falta de chuvas no sertão nordestino dificultou a vida de milhares de pessoas, que então, por necessidade, se viram obrigadas a deixar suas terras em busca de oportunidades de vida.
O quadro retrata uma viagem de uma família em busca de sobrevivência. Todos os elementos do quadro Os Retirantes colaboram em criar uma atmosfera de dificuldades que vão além da questão financeira. O fato dos mesmos buscarem melhores condições de vida, desbravando a pé o país e chegando, enfim, ao Estado de São Paulo, tão distante geograficamente do nordeste brasileiro não dá ainda uma noção de esperança.
A chegada dos retirantes é ainda o início de uma nova etapa com novas dificuldades, uma vez que grande parte buscava chegar ainda à capital em busca do sonhado emprego nas indústrias da grande cidade
Resumo do quadro Os Retirantes
O quadro é um grande marco da produção artística brasileira, junto a outras obras do autor no mesmo período, como O Lavrador de Café e Criança Morta. Buscam retratar também cenas do interior do estado de São Paulo e que fizeram parte da própria experiência de vida do mestre.
O tamanho do quadro é de 190cm x 180cm e pertence ao estilo da vanguarda modernista brasileira, sendo um exemplo do estilo expressionista brasileiro. Este estilo busca retratar a realidade de maneira menos literal e mais subjetiva, com influências de outras áreas de expressão artística. Esta subjetividade é evidenciada através das técnicas de pintura que buscam retratar emoções e não apenas a realidade crua. Este estilo tem por principal pintor e representante Pablo Picasso.
O autor é também reconhecido por seus estilos de quadro dentro do campo do Realismo Social e do pós-impressionismo. O em ano que foi pintado o quadro Os Retirantes, 1944, é o mesmo de pintura do quadro Criança Morta, tendo ambos os quadros estilos e temáticas que, de tão semelhantes, podem ser consideradas obras complementares. O contexto histórico do quadro Os Retirantes é o mesmo expresso em Criança Morta, e as técnicas empregadas também seguem o mesmo estilo. O segundo quadro pode inclusive ser considerado a continuação da história, se os personagens retratados puderem ser lidos como os mesmos.
Quem foi Candido Portinari?
Nascido e criado na cidade de Brodowski, no interior de São Paulo, Portinari foi um importante pintor brasileiro que produziu obras que entraram para o acervo cultural brasileiro. A biografia de Candido Portinari passa por diferentes fases, que influenciam o seu dom artístico.
Desde sua infância, até a temporada em que passou vivendo na França, o autor pôde ter um contato com diferentes tipos de cultura e pessoas, o que influenciou sua própria identidade. O período que esteve no exterior o fez vivenciar um choque de culturas, que o levou a retomar com ainda mais afinco às suas origens, à sua infância e à sua visão do país natal.
É apenas após esse período que o mesmo então produziu seu amais famoso quadro. Outras principais obras de Candido Portinari também foram produzidas neste período após o retorno da Europa. Apesar da forte temática político-social, nem todas as suas obras refletem estes cenários. Muitas outras como Menino com Pião e Menino com Pássaro e Baile na Roça são outros retratos de memórias suas relacionadas a infância, mas que foram produzidas anteriormente à sua viagem a Paris. Assim, pode-se considerar sua estadia de dois anos na França como um divisor de águas de sua produção artística.
Para Candido Portinari, obras de arte deveriam retratar as realidades de seus pintores. Ainda que o mesmo tivesse vivido em diferentes ambientes ao longo de sua vida, a escolha em retratar e trabalhar diretamente com a questão dos migrantes nacionais tem um importante cunho político.
Graças às suas obras, esta parcela da população que sofreu por conta da seca, problemas latifundiários e desigualdade social pode ter visibilidade e alcançar uma exposição de grande alcance. O quadro Os Retirantes está exposto no Museu de Arte de São Paulo, MASP, localizado na Avenida Paulista. O MASP é um dos museus mais importantes do país, e sua exposição permanente contempla esta e outras obras do mestre Portinari.